Passos mortos.
Naquele dia, vestiu as calças de ganga mais velhas que tinha no armário. Até lhe ficavam bem. Ao mesmo tempo, como estavam assim meio para o esfarrapado e coçado, davam-lhe um ar de menina descomplexada e descontraída, de adolescente tão conhecedora da moda que até a desprezava: ela queria ser como todas as raparigas bonitas da escola. Mas não era. Tinha cabelo oleoso, pele com acne, pontos negros no queixo: tudo nela eram sombras e escuridão. O cheiro, até o seu cheiro fedia quando comparado com o aroma das princesas do bairro, as que invejava. Hoje odeia-as. Olha para trás e odeia-as. Nada. Não são sequer ninguém: são nada.
Havia uma, em particular, emproada e linda, dissimulada e muito pouco esperta. Cheirava a perfume, tinha a pele lisa, os lábios macios. Dizia-se, e diz-se, a sua melhor amiga. Era tão sua amiga que não lhe escondia nada. “O rapaz de quem tu gostas odeia-te. Cheiras mal. Sou mais bonita do que tu. Tive que desinfectar a casa por tua causa, tiveste piolhos.”
Como sempre foi tão sincera, hoje continua a lembrar a toda a gente essa sua qualidade imensa que é ser a melhor amiga de alguém. Melhor amiga deste, daquela, até minha melhor amiga ela diz ser.
Então por que razão naquele dia em que vesti as minhas velhas calças de ganga não me convidaste para ir contigo, e com eles, passear e fugiste de mim? Deixaste-me sozinha na rua, na estrada, a correr atrás de ti, e deles, e não me disseste nada? Perguntaste-me se chorei nessa tarde? Se te amava, se o amava? Não queres saber, mas nem chorei nem vos amava.
quarta-feira, janeiro 30, 2008
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