sexta-feira, julho 21, 2006

Sara fecha sempre a porta do carro com demasiada força, com uma força até que desconhece ter. Por pouco não rasga a saia que fica presa na porta. Entra no primeiro café que lhe aparece naquele quarteirão desconhecido. É um café sofisticado, com umas poltronas vermelhas. Música clássica, muito silencioso, nada que vá bem com o café da manhã. Muitos livros e jornais. Ainda pensa comprar um de poesia, mas encolhe os ombros e bebe antes o café rapidamente, entre dois cigarros fumados só até meio. Tem coisas para fazer. Jorge pedira-lhe que tratasse das papeladas com urgência e ela encarregou-se disso, apesar de achar que ele pode, muito bem, fazer tudo sozinho e só não faz porque prefere ludibriá-la com um suposto talento das mulheres para tratar de certos assuntos. Que na sua óptica eram quase todos, mesmo aqueles em que é flagrante Sara não perceber patavina. Só que Sara faz tudo para agradar a toda a gente, consciente porém de que essa é precisamente a sua maior fraqueza e que não há carácter que se compadeça com isso, assim, daquela forma tão desprevenida e ingénua. Dá uma volta pelo café-livraria antes de pagar, espreita os principais títulos dos jornais, nada lhe interessa, nem revistas de qualquer espécie. Quer despachar-se, pagar e ir embora, descobrir a tal casa onde deve ir ter com um - ou uma – desconhecido. Apenas lhe chama a atenção um senhor, já na casa dos setenta anos, e uma senhora que o acompanha. Devem ser um casal, certamente. Ele enche um saco de plástico com jornais do dia. Ela prefere levar apenas um jornal e uma revista, de arquitectura, parece-lhe. Fica um pouco à conversa com os donos do café enquanto paga. Tem os lábios pintados de vermelho, um ar feminino e jovem com os seus setenta anos metidos numa saia de ganga escura e uma camisola azul e branca. Tem sapatos de corda; o suposto marido que encheu um saco com jornais diz-lhe para se despachar e espera-a à porta, brincando com aquele saco como se fosse um balde nas mãos de uma criança. Devem ir para a praia, pensa Sara que estava sem dar por isso a sorrir, com a senhora dos setenta anos que se ria da ansiedade do marido - a baloiçar aquele saco, de chinelos e calções. “Siga, vamos lá embora”, dizia-lhe. Iam para a praia, de certeza. E sem saber muito bem porquê, Sara sentiu de repente uma enorme ternura por aquele saco de jornais nas mãos daquele homem que representava uma velhice ou uma infância, um espaço intermédio onde parecia bom estar. Mas que não era o lugar de Sara e, por isso, tentando ser pragmática, para bem de todos, compôs o rosto e abandonou aquela pacatez por entre os túneis, passeios com árvores e caixotes para pôr as necessidades dos cães. Também não havia crianças em lado nenhum. Sara reparava sempre nisto, nestas coisas. E foram as únicas que lhe encheram a cabeça enquanto percorria aquele espaço urbano um tanto deserto àquelas horas manhã. Chegou ao 3º direito, era ali. Encheu-se de coragem e subitamente ficou calma. Afinal, acabava sempre por conseguir tudo, ou quase tudo. Tocou à campainha, carregou com força, afundando naquele botão preto todo o optimismo e pessimismo que trazia consigo, pronta para tudo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito bem Miss. Uma escrita interessante ;)

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