Hoje, quando ia a conduzir de rádio ligado numa qualquer estação onde só passa música de há 300 anos atrás, ouvi um tema, do qual não sei o nome nem tão-pouco quem canta, que me lembrou terrivelmente a minha infância. Era um tema de uma telenovela portuguesa que dava altura, creio eu... Não importa. O que importa é que eu e a minha prima mais velha (na altura a mais nova ainda não existia e a do meio era muito pequenina) gostávamos de cantar aquela e outras músicas a plenos pulmões na banheira, onde éramos enfiadas quando chegávamos da praia. Temos fotografias nessa banheira, os azulejos verdes e escuros da casa de banho do quarto dos meus avós... As minhas primas muito vermelhas do sol e eu muito escura. A minha avó chamava lagosta a uma e chocolate a outra. Depois do banho, vestíamos mini-saias ou saias muito rodadas com bolas coloridas estampadas. Também tenho fotografias com essas e outras roupas estranhas. E gostávamos de ensaiar coreografias malucas que depois eram exibidas na sala, diante de todos. Obrigávamos toda a gente, avós, pais, tios, amigos, a assistir. Também gostávamos de fazer desenhos abstractos... De repente, aquela música pirosa devolveu-me isto tudo e mostrou-me como mudámos tanto entretanto. Como naquela altura o mundo tinha o tamanho daquela casa de férias, tinha o tamanho do quintal dos meus avós. O mundo eram as torradas da minha avó, eram os mergulhos no mar até ficarmos roxas, eram os bolos que comíamos. Hoje o mundo parece-me tão grande, hoje sei que não conheço metade do que gostaria de conhecer. Crescemos e queremos muito, muito, muito mais do que torradas, mesmo que tenham quilos de manteiga como tinham as que a minha avó nos fazia à noite. Por isso, não vejo as minhas primas há tanto tempo. Elas vivem no Porto; eu em Coimbra. Convidei-as no outro dia, elas disseram que sim, que também estavam com saudades. Não queria o mundo pequenino e doce da minha infância nem as saias às bolas. Mas acho que fui muito feliz lá. O mundo era tão pequeno e as nossas danças, dançadas entre quatro paredes, tão luminosas. Éramos estrelas em palcos dourados, todas as noites, mesmo que na plateia estivessem o meu avô de chinelos, quase a dormir, e a minha avó a fazer malhas. Todos batiam palmas.
sábado, novembro 11, 2006
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9 comentários:
A nossa infância, lá ao longe. Acho que quando perdemos o que já nao temos é que nos apercebemos o quanto isso era importante: a inocência. Eu lembro me de não perceber como é que o mundo tinha um fim. Erámos crianças. E não sabiamos o que é isso de ser feliz. E talvez por isso não soubessemos que eramos felizes e só o saibamos agora, que ser feliz é um saco sem fundo. Gostei muito do teu texto anyway***
O mais fantástico disto tudo é a frase "quando ia a conduzir"!
Fantástico!
lol, porquê?! Porque sobrevivi? :)
Porque é um momento raro... ou era...
ainda é. Mas de vez em quando lá tem que ser...
Tive que ir para Vale de Canas, nesse dia de manhã...
mas continuo adepta dos passeios a pé.
Agora já nem de autocarro vou para o jornal (menos quando está a chover). Vou a pé. Chego ali ao Pavilhão de Portugal e corto para o Parque Verde. Sabe-me bem caminhar pela manhã, à beira-rio. E a ponte pedonal, acho-a muito bonita... Já viste?
Tens que vir cá, tu e a menina dos olhos grandes. beijos.
Os olhos grandes andam especialmente cansados e tristonhos... quando tiverem tempo de voltar a sorrir, vamos aí passear à beira-rio.
Oi prima,
Sabes, às vezes acho que intuo.
São muito poucas as vezes que conseguimos conciliar agendas. As redescobertas, essas, só agora me começam a ser perceptíveis. Um destes dias, pressenti, (estranhamente do nada) que te devia perguntar se tinhas um blog. E sabes, às vezes, muito de vez em quando, acho mesmo que intuo... A última vez que te li (sem jornalismos à mistura) deve ter sido na Tunísia, aquele teu caderninho(ou aquelas partes que te(me) permitiste serem lidas:). Agora li-te do início ao fim. Tudo! Já não me lembrava. Adorei! Mas agora que segui a minha intuição, vou usar e abusar. Quero continuar a entrar e ler-te, e enriquecer, sentir, inspirar-me, descobrir-(me)te, evoluir.
Beijos muitos e não te esqueças de sentir, da delícia que é ter prazer! ;)
Ps: Essas músicas, ainda as sei todas de cor. (não tas digo para não te envergonhar;) Sempre que as ouço, não consigo deixar de soltar umas belas gargalhadas ao recordar-me das nossas figuras na banheira, enquanto, o resto da família, um a um, em agonia, vem à casa-de-banho suplicar por silêncio. :D
Tenho pensado muito em vocês, em ti e na tuas irmãs. De como antigamente eramos inseparáveis e agora está cada uma para seu lado. Que é feito da nossa infância e da nossa adolecência? Beijos. Também já te li de uma ponta à outra. E parabéns a sério. Estive várias vezes no messenger para te perguntar o que eram os olhares magálicos, mas, sabes como é, deixamos sempre para amanhã as coisas que devemos mesmo fazer hoje.
como me reconheci neste post, a luz da nossa infância.
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