O Fellini recuperou. Já não manca. Estou muito feliz. Ontem, já não consegui dormir nada, ele não me deixou pregar olho. Ronrona e ronrona, sempre à minha volta na cama. Está novo, sempre a saltitar. Para quem não sabe, o maldito gato - que, de acordo com a veterinária, é um pequeno diabinho (adorável e lindo, claro) - caiu da varanda. Voou três andares - uma altura considerável - e sobreviveu. Uma vida já está gasta. Eu apanhei um susto desgraçado; ele nem um arranhão. Apenas um coxear que durou uns dias e não o impediu de continuar a comer todas as flores que há lá em casa e de enfiar o focinho dentro das jarras e dos vasos. Não sei por que caiu da varanda, não vi. Quando o ouvi miar já ele estava lá em baixo. Sei que caiu, apenas. Ou tropeçou, porque é um grande trapalhão com a mania que é pantera, ou, então, atirou-se mesmo. À excepção de ser obrigado a ouvir o Rádio Clube Português, quando está comigo na cama ou quando me vai espreitar para a casa de banho, não encontro razão para tal acto. Tem mimo, muito mimo, comida e areia lavada. Esperemos que não volte a acontecer. Entretanto, e já que é Natal, fica o apontamento: os meus pais deram-me quatro filmes do Fellini. Pode ser que ele goste. Ele, o gato, claro. Pode ser que goste mais de um serão de cinema com um tipo que tem o mesmo nome que ele do que estar enfiado na cama com uma dona que lhe berra, porque acha que o jornal é para ler e não para brincar e porque o provoca a pintar as unhas, esperando que ele fique imóvel enquanto elas secam, tudo ao som do RCP. Estou muito arrependida. Hoje à noite vou fazer a experiência, com os filmes que me deram. Um ensaio de orquestra. Vamos ver se resulta. E se ele não se volta a atirar...