Diário de uma ex-fumadora
Sugeriu-me uma amiga e colega que transformasse este blogue num diário de uma ex-fumadora. Pareceu-me uma excelente ideia, uma vez que, desde que deixei de fumar, ando mais infantil e raivosa do que nunca, e escrever sobre o assunto pode ajudar-me a não descarregar sobre as pessoas, sobretudo se forem não-fumadoras, saudáveis, organizadas e por aí fora.
Ontem, por exemplo, fui jantar fora com amigos e acusada de preconceituosa quando disse que a nova lei iria permitir, pelo menos, o encontro de pessoas mais interessantes – as que fumam – à porta dos bares e cafés e que eu, infelizmente, estaria destinada a ficar com os totós à mesa. Quando me insultaram, fui mais longe. Disse que jamais censuro quem tem vícios e, pelo contrário, desconfio muito de quem só tem virtudes. Conclusão: passei o jantar todo a berrar com toda a gente e, quando os fumadores foram para a rua, fui com eles, recusei-me a ficar com os não-fumadores à mesa.
Ainda pensei que teria a obrigação de cair em tentação, depois de todo o discurso (i)moral que proferi. Mas valeu-me alguém que zelou pelos impulsos mais demoníacos e pela minha saúde e não me deixou dar apenas uma singela e poética baforada num amigo a que chamo cigarro, eterno companheiro das maiores tristezas e angústias, mas também de todos os romances e festas que valeram a pena.
Enfim, voltei para a casa a vociferar contra carros e tubos de escape e a fazer o elogio em geral de toda a espécie de excessos, o que culminou hoje com a defesa de mais uma tese (polémica?) acerca da criação artística. Já ontem no jantar havia lançado o repto aos meus detractores: arranjem-me um GRANDE escritor que não fume. Hoje: Lou Reed fazia coisas muito mais interessantes quando andava metido na heroína do que quando a deixou. E podia ir mais longe, falando da ligação de certos cronistas brilhantes à cocaína e de poetas ao álcool e outros vícios abençoados.
Perdoem-me, mas ainda não me habituei à ideia de que deixei de fumar desde 26 de Dezembro e, pior, ando num ginásio! Não sei para onde caminho, este não é o rumo que quero dar nem a mim nem à minha vida. Ontem, disse-me um amigo: “Oh pá... Tens que pensar que, se calhar, não foste mesmo feita para ser saudável”. Será? Só sei uma coisa: agora devo ser mais saudável – pelo menos é o que se diz sobre quem deixa de fumar – mas seguramente perdi identidade, personalidade, vida, felicidade, intimidade. Mais saudável, menos feliz.
E o pior sabem o que é? É que agora respiro com mais dificuldade, durmo pior, ando irrequieta, chata. E a minha pele não está mais bonita. Aliás, desconfio que essa treta da beleza foi inventada por alguém com gostos muito diferentes dos meus: para mim, não há pele mais bonita do que aquela que tem uma mulher bonita a fumar. Chama-se charme. O cinema falou muito disso.
3 comentários:
"Passei o jantar todo a berrar com toda a gente" Fartei-me de rir quando li isto. Que exagero! :) Até parece que nao se ouviu outra coisa no jantar que nao os teus berros maníacos! :)
De ex-fumadora para ex-fumadora: compreendo a tua posição e, em certa medida, concordo contigo mas acho que estás a exagerar. Chamar totós às pessoas que não têm que se levantar da mesa para ir fumar?! Lá porque não se tem vícios não quer dizer que se seja certinho em tudo na vida. Que não existam deslizes e excessos uma vez por outra. Deixar de fumar é uma verdadeira revolução na vida de uma pessoa, implica abdicar de tanto!...mas estou convencida que é tudo uma questão de adaptação e custa-me pensar que dependo de um vício para andar de bem com a vida. Tenho muitas saudades do meu amigo cigarro e dos momentos de cumplicidade que passámos juntos mas acho que também passarei bem sem ele.
Sei que esta é uma altura difícil e um teste muito grande de resistência psíquica. Também ando no ginásio contigo. Há dias fiquei perplexa quando te vi tentar entrar lá dentro com o cartão do centro saúde. Tinhas deixado de fumar há 1 dia. Pensei: está mesmo tola!... Mas diz lá, não te sentes bem quando vais até lá e exercitas um bocado esses músculos? Daqui a uns tempos também te sentirás melhor com a tua vida de ex-fumadora. ;) Eu já noto que respiro melhor e até cheiro melhor! :)
Esqueci-me de assinar, mas por essa do cartão do centro de saúde, já deves ver quem é! :)
Não, não me sinto melhor!
Nem me apetece ir ao ginásio nem a lado nenhum!
Uma das coisas que mais gostava de fazer era fumar, enquanto lia um livro, com uma manta nas pernas!
Fumar à noite na varanda!
Vou ter que escrever um poema sobre isto.
Olha, e tu tens que te conformar, como eu. Somos umas totós. Totós, mas, olha, estamos cá para durar ;)
beijos.
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