quarta-feira, janeiro 30, 2008

Ele foi dos poucos que lhe viu a alma: transparente, esperta, profunda. Amou-a à primeira palavra. Ouvia-a, sorria-lhe, visitava-a todas as noites. Levava consigo uma garrafa de whiskey, um velho disco de blues, e ficava a vê-la ler, tirar carraças ao cão, dormir. Às vezes, conversavam. Ele ouvia-a e bebia. Amava-a tanto. Ela não se importava com aquele amor, quase nem dava por ele, raramente se lembrava de que ele podia sentir desejo, paixão, vontade de agarrá-la, beijá-la, tocá-la. Gostava da companhia dele, do riso dele. No fundo, nunca soube de que tamanho era a ansiedade dele em pegar-lhe na cara, lamber-lhe o pescoço, deitá-la na cama. Mas um dia quis saber. Chegou ao pé dele e deu-lhe um beijo na boca rápido e morno. Esperou para ver qual seria a reacção. Ele sorriu e afagou-lhe o cabelo. “Beijas bem”, disse-lhe apenas. Ela beijou-o como quem prova uma comida estranha: sentimos curiosidade acerca do sabor, mas já sabemos que não vamos gostar muito. Estabelecemos as nossas regras à partida e só depois entramos no jogo.
Naquela noite, de whiskey e blues, sem qualquer contexto que o pedisse, ela deu-lhe um beijo, meteu-lhe a língua na boca, e ele reagiu como se soubesse, como se estivesse à espera que aquilo acontecesse. Depois de ter elogiado a forma como beijava, nunca mais lhe disse nada sobre aquele episódio. E continuou a visitá-la todas as noites até hoje.

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