
Toda a gente ressonava muito lá em casa. Era uma casa grande, virada para o mar. O mar frio, gelado do Norte. Era Verão e não sei se pelo calor ou se pela excitação cor de fogo-de-artifício, que percorre as vilas do Alto Minho nessa altura, o ressonar múltiplo e o falar das vozes nocturnas enchiam as paredes silenciosas de sons. De uivos e pesadelos. De diálogos sonâmbulos. De sussurros. De rezas da minha avó e da minha bisavó. Dos risos da canalha, como se diz lá em cima. E muitos choros também. Dos cães a ladrar, cada vez que passava o comboio. A casa ainda mora lá, infelizmente não a visito há alguns anos. Antes de ter mais anos, cada vez mais, íamos todos os Verões. Às vezes, mesmo nos Invernos brancos. Havia lareira, mantas e muitas torradas com quilos de manteiga. Havia os policiais do avô. Mas no Verão era certinho. Mal acabassem as aulas, lá iam - avós, netas e cães, tudo para lá. Meses a fio. Até Setembro. Eu e as minhas primas ruivas chorávamos quando era hora de regressar. E interromper aqueles dias ora solarengos ora cinzentos com o calor algarvio, ou outro qualquer, nem sempre era o que desejávamos. Só que os pais insistiam... As mães, com cabelos loiros, eram do Norte, daquele sítio. A casa já havia sido habitada por elas, antes de nós. Agora, parece que as histórias acabaram. Embora os policiais ainda lá estejam todos. E as janelas viradas para o mar. E o quarto de cada um. E o nosso quarto - as primas dormiam todas no mesmo. Falta o meu avô que nos pedia, à noite, para irmos mudar de canal quando ainda não havia comandos... Tenho muitas saudades do mar e da minha gente toda. Mas o mundo é cada vez mais estranho. Já nem sei vilas assim. Tão-pouco. E estranho dentro de mim o que se passa, sobretudo a saudade e a infância - à luz de cidades novas.
(foto:Lise Sarfati)
2 comentários:
Bem vinda (again) à blogoesfera. Beijinhos!
A fotografia que me deste (no Natal?) assim o previa...
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