Sentou-se no passeio, deitou-se naquelas pedras, ficou sujo com a porcaria que está no chão e que custa a sair. Esperou horas a fio, anos, talvez. Fumou cigarros, começou a fumar assim, ali deitado. As estrelas não estavam no céu, estavam nas esquinas, estavam nos barulhos, em todos os barulhos que lhe parecia ouvir. Todos os barulhos, toda a vida podia ser ela, podia ser um sinal dela. E ele esperou. Como em todos os contos, veio a chuva, veio o sol e ela também, por fim. Foi quando tudo se desmoronou. O que foi um conto passou a ser real. Ela estava ali, saiu de repente da escuridão, dobrou a esquina e disse-lhe olá, com naturalidade. Os cabelos ondulavam. Era uma miragem. Estendeu-lhe a mão. Ele aceitou. E beijou-lhe a mão e a boca e gostou. Mas recusou-se sempre a acreditar. Porque a sujidade entranhada parecia mais suja e porque a boca dela sabia bem. Demasiado bem para a sujidade daquele passeio de esperas infinitas. O amor não era só esse sabor estranho que se que se quer agarrar, o amor também era um sabor estranho, tão estranho que se quer fugir dele ou com ele. O amor era aquele passeio. Era aquele chão de sonhos, eram aquelas estrelas pressentidas nos barulhos, era aquele sobressalto. A boca dela sabia demasiado bem para ser verdade, todo o corpo dela sabia a mel. Não, não era mel. Sabia a uma cor forte, tinha um travo suave. Era doce? Sentia-se atordoado, perdido naquele corpo. Onde estava ela, afinal, por detrás daquela pele que lhe dava tonturas? Não podia amar assim, porque não custava nada beijá-la. Roubou-lhe as mãos e os pés, remexeu-lhe cada pedaço de carne, sempre à procura dela. Mas não custava na mesma. E ele não sabia amá-la se não pudesse sofrer. Sofrer por ela, por ele, e por amor. Mandou-a embora. Disse-lhe que regressava ao passeio mais sujo da cidade e que a esperaria lá. Mentiu-lhe e disse-lhe que a queria de volta. Não sei se alguma vez ela regressou nem se alguma vez ele a amou.
sexta-feira, setembro 08, 2006
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
:)
No suplício do início de setembro, curvado para desprender o copo de plástico da máquina de café, voltei a dar ouvidos à conversa lançada no corredor.
-Sim, as férias só servem para desequilibrar, para nos mostrar que o mundo desejado está ali ao lado, é bonito e ali nos espera cada manhã.
Concordei, dando a entender com os olhos que se escondiam no copo, e num toque funesto, acrescentei:
-São prendas de natal para meninos que se portam mal no resto do ano.
Voltámo-nos a sentar descansados ao computador.
Só podias ser tu.
Enviar um comentário