quinta-feira, outubro 26, 2006

Já havia contado no meu diário anterior que o meu pai me telefona várias vezes para me pôr a ouvir ópera. Dedica-me músicas; manda-me mensagens com letras de amor, sempre ópera. Quando me vem visitar a Coimbra, obriga-me a ouvir esta e aquela música. Alerta-me para casos que considera serem merecedores de notícia, envia-me emails e assina-os “Garganta Funda”. A minha mãe manda-me mensagens durante o dia para me lembrar de que devo telefonar à minha avó a agradecer o bolo, a marmelada, a geleia, e os outros mil doces que me enviou, para que eu não passasse fome, palavras de avó. A minha mãe ainda me telefona também para, muito rapidamente, me aconselhar a comprar uma gabardina por causa da chuva que se sentiu em Coimbra. A minha outra avó liga-me para saber se está tudo bem, porque viu nas notícias muita confusão em Coimbra. E eu nunca ligo a ninguém, nunca dedico músicas ao meu pai, nunca fiz um bolo às minhas avós. Pior, quando recebo estes telefonemas, despacho toda a gente, ainda que da forma mais educada possível. Estou sempre a fazer alguma coisa inadiável, sempre sem paciência para as músicas ou para chuva. Não sei o que ando a fazer, mas, depois, à noite, na solidão, lembro-me desta gente que amo, lembro-me do tempo que dedicam aos outros, e arrependo-me. Sinto saudades e vontade de lhes telefonar a pedir desculpa por nunca os ver e por desligar o telefone, sempre cheia de pressa. Não sei o que ando a fazer, mas, depois, à noite, quando me lembro deles, tenho a certeza de que não estava a fazer merda nenhuma importante. E sinto vontade deles, mas já é sempre tarde para telefonar. E amanhã sei que vou fazer por não me lembrar outra vez.

4 comentários:

NUNO FERREIRA disse...

Liga à tua avó!:)
Beijinhos
Nuno

Neguinha da Fé disse...

texto muito legal! é assim msmo q a maioria das pessoas se sente, eu acho.

Ninguém tem tempo pra nada. É preciso q estejamos fazendo algo importante a todo tempo, e acabamos por nos esquecer das coisas desimportantes, q na verdade são essenciais a vida. kkkkk:)

De qualquer forma, às vezes ainda me bate um sentimento de q ñ faço nada da vida.

Tem um poeminha do Manuel Bandeira _ vcs daí de Portugal conhecem esse maravilhoso poeta tupiniquim?_ q fala sobre isso:


Andorinha

Andorinha la fora esta dizendo:
- "Passei o dia `a toa, `a toa!"

Andorinha, andorinha, minha cantiga eh mais triste!
Passei a vida `a toa, `a toa...

chiquinha disse...

Sentimento: queria que esse texto fosse meu. Simples e completo.

Realmente Manuel Bandeira é perfeito.

Vou-me embora para Pasárgada
Aqui eu não sou feliz.
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca da Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

Anónimo disse...

The solution is simple: Go retro


It's entirely possible you will find love, sex and companionship in your immediate environment, and have no need to use anything more sophisticated than a car or bus to bridge the distance between you. It happened for your parents and grandparents, didn't it?

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